Como muita
gente gostou, vou tentar repetir o padrão do post anterior sobre Dor torácica. Mas dessa
vez com um tema que, particularmente, eu gosto bastante! Diagnóstico
diferencial entre demência e delirium, além de expor algumas condutas frente os
diferentes casos clínicos. Boa leitura!
è
CASO 1
Sr. GCM, 70 anos, sem comorbidades, há 5 dias fez lobectomia de lobo superior
direito devido a um carcinoma de pulmão. Hoje, na sua primeira visita pela
manhã, Sr. GCM afirmou estar em um campo militar e que gostaria de retornar
para casa.
Pelo caso, nós
podemos perceber que o Sr. GCM apresentou uma mudança em seu estado mental e
portanto, há a necessidade de determinarmos se isso é decorrente de uma
síndrome demencial ou um quadro de delirium. Rapidamente, “a única relação
entre esses temas é a mudança do estado mental, e pronto!” Enquanto o delirium
é um quadro agudo, reversível e que muitas vezes não tem associação com doença
neurológica, a demência apresenta-se de forma crônica e raramente é reversível.
Demência, é
caracterizada no paciente se o mesmo apresentar memória debilitada associado
com pelo menos 1 destes achados: (1) afasia; (2) apraxia; (3) agnosia; (4)
debilidade nas funções executivas. Os sintomas devem ser suficientemente
capazes de dificultar o cotidiano do paciente!
O delirium não
é caracterizado de forma tão objetiva quanto a demência, mas ainda assim
existem pontos que devem ser avaliados. Inicialmente devemos saber que sua
caracterização no paciente, geralmente, é por um distúrbio na consciência com
habilidade reduzida em se concentrar, sustentar e deslocar. Quadro evolui em
poucos dias ou horas, e geralmente o paciente apresenta uma condição médica que
favoreça o delirium. Ficou meio vago essa última frase, né? Mas é isso mesmo,
caro sedento por conhecimento! A quantidade de doenças e condições que causam
um quadro mental agudo, é enorme! Mas não se desespere... vamos voltar para o
caso.
Sr. GCM no ato da cirurgia apresentou
algumas complicações, apesar de no final tudo ter ocorrido bem. Houve excessiva
perda sanguínea e hipotensão, mas rapidamente foi revertido o quadro. No pós
operatório não houveram problemas, mas sua mulher afirmou por dois dias que seu
marido estava “meio confuso”. Hoje, no 5° dia pós operatório, você percebeu que
realmente o Sr. GCM apresentava esse quadro mental.
É um quadro de
desorientação e desatenção que evoluiu de forma aguda, ou seja, fala a favor de
Delirium. Com isso temos um “muito provável” diagnóstico, mas devemos lembrar
que ele é dependente de uma causa e por isso, quando for feito um diagnóstico
de Delirium a segunda coisa que deve ser feita é buscar sua “etiologia”.
·
Delirium
Classicamente
é visto em um paciente idoso com quadro de desatenção e desorientação associado
com alguma doença severa e incapacitante. Se identificarmos um paciente com
delirium, é obrigatório determinarmos uma causa, pois sempre haverá!
Lembra quando
eu disse para não se desesperar? Então, existem algumas condições que são mais
prováveis de causarem delirium e ainda um tipo de paciente mais suscetível!
Portanto, tenham em mente que um paciente neste molde e alteração do estado
mental até que prove o contrário, é delirium. E como é esse Molde?!
Maiores de 65 anos, institucionalizados e com uma doença
severa e incapacitante, geralmente uma infecção (pode ser em qualquer sítio).
Mas pode ser por intercorrências, como hipotermia ou hipertermia, distúrbio
hidroeletrolítico, abstinência ao álcool e constipação (uma simples
constipação?! Siiim!).
Depois de
suspeitar de algum paciente, devemos aplicar o Confusion Assessment Method
(CAM), fundamental para determinar o diagnóstico de Delirium. Para confirmar o
diagnóstico ele deve apresentar os critérios A e B, além do C ou do D. Os seja,
é obrigatório que eles tenham o A e B!!
A) Alteração
aguda do estado mental
B) Desatenção
C) Pensamento
desorganizados
D) Alteração
no nível de consciência
Depois de
confirmar o diagnóstico, nós devemos buscar a causa base. E pra isso devemos
refazer a revisão dos sistemas, rever medicamentos (efeitos adversos ou
intoxicações ou abstinência), hemograma, função hepática e renal, gasometria
arterial, EAS e outros testes dependendo do paciente. Se todos os exames derem
negativo, é preciso ficar atendo se a causa é de fato sistêmica ou específica
do sistema nervoso central!
O prognóstico
da doença de base em pacientes com delirium é pior, por isso, melhor que tratar
é prevenir! Então é fundamental ficar atento para os pacientes de risco. E
quais são esses fatores de risco? Ora, é só lembrar do nosso Molde!!
Os métodos
preventivos são: (1) estimular, avidamente, a cognição do paciente; (2)
melhorar o sono do paciente; (3) mobilização precoce e constante do paciente;
(4) evitar desidratação. Já o tratamento é avaliar todas essas causas já
citadas e em alguns casos pode ser usado um neuroléptico em baixa dose, mas por
um curto período.
Foi feito o CAM mostrando que o paciente apresenta delirium e por isso
realizada revisão de sistemas, testes laboratoriais e revisão da prescrição farmacológica.
Não houve alteração no exame físico e nos testes laboratoriais. Foi prescrito
para Sr. GCM Lorazepam 0,5 mg/24h, mas estava recebendo 0,5 mg /8h. Realizaram
uma neuro TC e não identificaram nenhuma alteração.
Foi feito essa
investigação e encontrado uma alteração na prescrição portanto, vamos retirar o
Lorazepam e ver o que acontece! A pesquisa pela TC, de alteração neurológica, provavelmente
foi feita pois o paciente tinha uma história de hemorragia na sala cirúrgica.
Foi retirado o Lorazepam. Após 3 dias, Sr.
GCM apresentou uma melhora do seu estado mental e no 14º dia do pós operatório
recebeu alta.
Como foi
visto, apenas a retirada do fármaco foi suficiente para reverter o quadro do
paciente. Mesmo que você pense: “foi iatrogênica!”. Nós devemos ter em mente que delirium é uma causa multifatorial e que
foi a soma de seus fatores de risco que ocasionou o caso descrito.
Antes de irmos
para o próximo caso, existe uma outra causa muito frequente de delirium que é a
abstinência ao álcool e portanto, fundamental ser questionada durante uma
avaliação de paciente suspeito
·
Abstinência alcoólica
É
classicamente apresentado como uma síndrome alucinógena, sem perda do sensório
e sintomas adrenérgicos exuberantes. A tríade adrenérgica é: irritabilidade,
taquicardia e hipertensão. Existe uma forma de abstinência mais severa, chamada
de Delirium tremens (desculpem, mas não achei a tradução...) onde o paciente apresenta
além da tríade adrenérgica, alteração aguda do estado mental sendo então, essa
a forma que devemos fazer diagnóstico diferencial com Delirium simples.
O álcool causa
também duas formas de encefalopatias, a de Wernicke e a de Korsakoff... alguém
lembra a diferença entre elas?!
O tratamento
do Delirium tremens é de suporte (todos os cuidados para um paciente com
delirium) e em alguns casos, doses pequenas de benzodiazepínicos. Os BETA
bloqueadores são bons para diminuir os sintomas adrenérgicos, mas devemos tomar
cuidado para não mascarar a gravidade da abstinência do paciente.
è
CASO 2
Sr. MSR de 75 anos veio ao seu consultório acompanhado de sua esposa. Sua
queixa principal é “falha na memória”. Segundo o relato de sua mulher, apesar
de trabalhar a mais de 25 anos no mesmo estabelecimento, ele havia se perdido
no caminho do trabalho para sua casa na semana passada. Nega qualquer doença ou
comorbidade.
Pelo relato
inicial conseguimos determinar que o Sr. MSR apresenta um declínio cognitivo,
que o impossibilitou de realizar uma tarefa comum do dia a dia. Pela idade, o
padrão de consulta com acompanhante e por ser previamente hígido, inicialmente
podemos sugerir a síndrome demencial como primeira opção diagnóstica. Devemos
pensar também em depressão e delirium.
Durante a anamnese a mulher teve que
responder algumas perguntas sobre eventos recentes, pois o paciente não
lembrava. Ambos negaram depressão. Refere uma dor crônica em membros
inferiores, mas atribui a um ferimento adquirido na guerra. Nega hipertensão e
diabetes. Relata ter gota. Faz uso de: Paroxetina 20 mg/dia; Metadona 20 mg 8/8
h; Meloxicam VO 7,5 mg/ dia; Acetaminofeno com codeína (300/60 mg) 2 cp 8/8 h; Alopurinol
300 mg/dia
Seus sinais vitais e exame neurológico
estão normais. Exame físico apresentou gonartrite bilateral.
Por não
apresentar nenhuma doença severa debilitante e negar depressão (apesar de usar
Paroxetina), síndrome demencial continua como principal diagnóstico.
·
Síndrome demencial
Já foi
caracterizada no início do texto, mas ainda falta sabermos quais doenças podem causá-la.
As principais são Doença de Alzheimer, demência por corpúsculos de Lewy,
demência vascular, demência frontotemporal e as demências reversíveis. As mais
comuns em nosso meio são a Doença de Alzheimer (DA) e a demência vascular (DV).
No entanto, quando pensamos em algum paciente que tenha demência essas NÃO são
nossa primeira suspeita. Sempre devemos excluir as causas reversíveis! Dentre
elas existem: por hematoma subdural, hipotireoidismo, deficiência de vitamina B
12, infecção e hidrocefalia normobárica (ou de pressão normal).
·
Doença de Alzheimer (DA)
Tipicamente é
um paciente que vem acompanhado na consulta e que negue sua doença. É mais
comum após os 65 anos, mas existem apresentações em jovens. Possui uma evolução
arrastada e sem regressão, que geralmente acomete memória, alteração de humor,
mudança de personalidade e abstinência social. Alterações de linguagem são
muito comuns e podem acontecer no início da doença e progredir assim como todo
o quadro de perda cognitiva. No final da doença o paciente fica completamente
dependente, mesmo para as atividades mais básicas do dia a dia.
O diagnóstico
definitivo, por enquanto, só é realizado pela biópsia portanto, é melhor nós
ficarmos pela clínica mesmo... A maneira mais eficiente de diagnosticar um
paciente com DA é seguindo 3 passos: (1) suspeitar de demência; (2)
diagnosticar demência; (3) excluir as outras demências reversíveis e enquadrar
o paciente nos critérios da NINCDS-ADRDA.
Suspeitar de
demência acho que todos já entenderam, né? O diagnóstico de demência é feito,
classicamente, pelo Mini exame do estado mental (MEEM). Existem outros exames
mas, o mais comumente usado é o MEEM. Se o paciente fizer menos de 24 pontos
(total de 30) o diagnóstico sindrômico é confirmado. Os exames usados na
prática para descartar as causas reversíveis são: Hemograma, TSH e T4 livre,
função hepática e vitamina B 12 sérica. Os critérios da NINCDS-ADRDA para DA
são:
(1) ter
demência;
(2) ter, pelo
menos, déficits em duas áreas de cognição (orientação, atenção, função executiva,
memória e linguagem);
(3) sinais e
sintomas progressivos;
(4) sem
alteração de consciência;
(5) idade
entre 40 e 90 anos;
(6) Punção
lombar e achados no EEG normais e neuroimagem com atrofia cerebral.
O tratamento
envolve ação multidisciplinar e farmacológica. Além do paciente deve haver um
suporte psicológico para as famílias e cuidadoras (nem elas escapam!). Devem
ser feitas medidas para aumentar a segurança do paciente e tentar mantê-lo em
uma rotina ou em atividades em que seu déficit cognitivo não o estresse. Os fármacos
usados são da classe dos inibidores da colinesterase (ex: Rivastigmina) ou um antagonista
do receptor N-metil-D-aspartato (NMDA), a Memantina.
Como você leu o blog Medicina Nossa de Cada
Dia, resolveu seguir os 3 passos para diagnosticar um paciente com DA. A
suspeita de demência já havia sido feita e por isso realizou o MEEM. Sr. MSR
fez 20 de 30 pontos. Pelos critérios da NINCDS-ADRDA ele apresentava alteração
em 3 áreas cognitivas. Para determinar se o quadro é progressivo, foi
solicitado que ele retorne em 3 meses com o resultado dos exames solicitados
(aquela rotina descrita acima) e orientado a usar a dose mínima dos psicoativos
que já fazia uso, não dirigir o carro e se manter em uma rotina.
·
Demência vascular (DV)
O quadro
demencial é igual ao do paciente com DA, apenas algumas nuances a distingue. É uma doença que pode ter uma história de
início agudo, e com uma evolução “em degraus” relacionada com um evento
vascular (evento vascular -> alteração cognitiva -> se mantém nesse
quadro -> piora do quadro -> se mantém -> piora ainda maior do quadro
-> se mantém...)
Seu diagnóstico
é clínico podendo ter algum auxílio com exame de imagem. É um paciente com
demência associado a sinais neurológicos focais (hiperreflexia unilateral,
sinal de Babinski, desvio de comissura labial e etc.) e história ou fatores de
risco para acidente vasculare.
Após os 3 meses, pela diminuição da dose
dos medicamentos apresentava-se mais animado, apesar de ter havido piora de seu
estado cognitivo. Todos os exames solicitados foram normais e a TC mostrou
atrofia cerebral.
Tranquilamente
podemos afirmar que é um paciente com DA, pois não apresenta nenhum fator de
risco para DV, seus exames deram normais e pela última consulta conseguimos
confirmar o caráter progressivo do quadro cognitivo. Apesar do caso ter sido
resolvido, ainda existe um tipos de alteração cognitiva que gostaria de
expor.
·
Declínio cognitivo mínimo (DCM)
É uma condição
em que o paciente refere perda de memória, mas sem atrapalhar suas atividades
diárias e sem preencher os critérios de demência. As queixas mais comuns são:
dificuldade de lembrar o nome das pessoas e resolver problemas complexos. Eu
sei que você pensou: “F#%@, eu tenho DCM!!” Não se desespere, converse com seus
amigos e familiares e verá que todos nós somos assim e que está tudo normal com
você! O diferencial entre nós e o paciente com DCM (eu espero...) é que ao
realizar um teste específico para memória, o doente vai apresentar alteração.
O que fazer quando
detectarmos esse paciente? Realmente é algo complicado, pois, teoricamente, ele
não se enquadra em uma demência e portanto não tem uma terapia direta. Esse
paciente deve ser investigado quanto a depressão, ansiedade, insônia e quais
fármacos (ou toxinas) que costuma usar, pois são condições comumente associadas
com DCM.
REFERÊNCIA: Symptom to Diagnosis an
Evidence-Based Guide 2nd Edition 2010
Espero que tenham gostado! Qualquer
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Até a próxima, galera!
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