Na minha
opinião, junto com quase toda a nefro, distúrbios ácido-base estão entre os
temas mais difíceis da medicina. Para piorar, sua importância é tanta que não
podemos deixar de entender! Por isso, indo contra a minha força de vontade, resumi
as etapas para iniciarmos o screening frente a esses casos! Boa diversão!
Sr. JPM é um homem de 42 anos que apresenta queixa de fraqueza,
anorexia, dor abdominal e vomito. Laboratório mostrou bicarbonato de 6 mEq/L
Assim como em
qualquer caso, nós devemos inicialmente supor diagnósticos diferenciais, certo?
Nos casos de distúrbios ácido base, qual a melhor forma de fazer isso? Como
tudo na vida, para determinarmos um diagnóstico nós temos que percorrer um
caminho. Neste caso é o “Caminho ácido-base”. Durante essa “trajetória”, nós
vamos fazer 6 paradas!
- 1ª parada (hipótese clínica
geral):
O
fundamental em um cenário de distúrbio ácido-base é entender que esse estado é
decorrente de alguma condição prévia que o paciente apresentava ou apresenta.
Portanto, primeiramente devemos, através da clínica, avaliar o aspecto geral do
paciente e supor quais prováveis alterações iremos encontrar nos exames
laboratoriais.
- 2ª parada (Checar o pH
sanguíneo):
Após
a avaliação clínica, devemos determinar o pH do sangue. Normalmente o pH
sanguíneo fica entre 7,35 e 7,45 no entanto, vamos raciocinar com um valor de
referência (VR) de 7,4. Sendo assim:
pH > 7,4 indica alcalemia
pH < 7,4 indica acidemia
- 3ª parada (Determinar o
distúrbio primário):
Determinado
o pH sanguíneo, é preciso avaliar se a causa primária desse distúrbio é
metabólica ou respiratória. Para isso precisamos checar a PaCO2 e o bicarbonato
na famosa fórmula responsável pelo tampão do pH:
De
uma forma geral, essa é uma fórmula que se encontra em equilíbrio, ou seja,
existe a mesma quantidade de água e dióxido de carbono em relação ao
bicarbonato e o H+. E essencialmente essa fórmula deverá se manter
em equilíbrio. Caso haja uma mudança na quantidade de alguma dessas
substâncias, vai haver um aumento ou diminuição do H+ para que o
equilíbrio se mantenha.
Sendo
assim:
Pensando no Bicarbonato (causa
metabólica)
·
Com o aumento do Bicarbonato nós teremos maior
consumo de H+ e por isso sua diminuição, fazendo com que o pH
sanguíneo aumente.
·
A diminuição do Bicarbonato libera mais H+
e isso aumenta sua quantidade no sangue causando uma diminuição do pH
sanguíneo.
Pensando na PaCO2 (causa
respiratória)
·
O aumento da PaCO2 faz com que a
reação vá para a direita elevando o H+ e com isso diminuição do pH.
·
A diminuição da PaCO2 direciona a
reação para a esquerda, e com isso reduz a quantidade de H+ elevando
o pH.
- 4ª parada (É compensado ou um
distúrbio secundário?):
Qualquer
mudança no pH pode acarretar um quadro clínico crítico por isso, nosso
organismo busca, através dos sistemas tampões, minimizar essas alterações
através de mecanismos compensatórios. Uma das formas é a que nós conhecemos na
3ª parada! Mas então calma aí... se existe uma forma de compensar a causa
primária desse distúrbio, como eu vou saber se o paciente se encontra em um
distúrbio misto ou compensado?! Felizmente (ou não...) nosso sistema tampão tem
um limite, ou seja, se esse limite for ultrapassado é porque a alteração
ácido-base está ocorrendo por causa de uma doença, em outras palavras, é um
distúrbio misto.
O
“nosso limite” é relacionado à causa primária do distúrbio ácido-base (avaliado
na 2ª e 3ª parada) e dependente da quantidade perdida ou aumentada da
substância primário. Segue abaixo a tabela com o limite entre compensatório e
patológico.
Assustador,
né?! Não precisa entrar em pânico! Vamos destrinchar alguns pontos aqui... O
paciente que apresenta alguma alteração na PaCO2, por exemplo, vai
ter uma alteração no HCO3-, seja por um “reflexo”
compensatório do organismo ou por algum outro processo patológico. Determinar
essa diferença é fundamental no ponto de vista de tratamento por isso, após nós
determinarmos a causa primária do distúrbio ácido-base do paciente nós devemos
distinguir se há um processo compensatório ou um distúrbio secundário.
Outro
ponto é a respeito da duração dos distúrbios respiratórios. No distúrbio agudo,
há uma doença pulmonar de início abrupto ou algum fator que cause
hiperventilação insidiosa (psicogênica, crise asmática, TEP e etc.). No
distúrbio crônico há um fator que estimula continuamente o centro respiratório
(doença do SNC, sepse e insuficiência hepática) ou uma doença crônica do
pulmão, como o DPOC.
- 5ª parada (Calcular o Anion gap
plasmático):
Primeiro devemos
entender que o termo “acidose metabólica” reflete a quantidade de Cl-
ou o excedente de outros ânions, no sangue. Esses outros ânions, que são chamados
de Ânion gap plasmático (AGp), são as proteínas plasmáticas (ex.: lactato). Se
nós quantificarmos toda a carga positiva (Cátions) e negativa (ânios) e
subtrairmos uma da outra, teríamos como resultado ZERO! No entanto, nós não
conseguimos dosar o AGp e por isso precisamos estima-lo através de uma fórmula.
Valor de referência (VR) do AGp é de 10 mEq/L
AGp = Na+ − (HCO3− + Cl−)
Pela formula, nós podemos ter
acidose metabólica quando houver:
·
Perda de bicarbonato -> Cl- aumenta
a quantidade para manter o VN do AGp, portanto será uma acidose metabólica
hiperclorêmica com AGp normal.
·
Acúmulo de outros ânions -> Nesses
casos o organismo vai estar com um problema na excreção ou na produção de
ânions, causando o seu acúmulo (ex.: lactato, cetoânions e uremia grave),
levando a uma acidose metabólica com AGp aumentado.
- 6ª parada (Diagnóstico!):
Essa
provavelmente é a mais difícil... Após 5 paradas, nós devemos juntar tudo e determinar
nossos possíveis diagnósticos! Pode não ter sido extenso, mas com certeza é um
assunto complexo, por isso a 6ª parada vai ficar pra quarta feira, assim como o
desfecho desse nosso caso! Até lá, nós temos 5 paradas e muita coisa para conversar
até chegar no final dessa trilha!
REFERÊNCIA: Symptom to Diagnosis an Evidence-Based Guide 2nd Edition 2010
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Até quarta, galera!
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