Após nós
estudarmos o screening inicial frente a um paciente com distúrbio ácido base,
ou seja, descobrirmos qual tipo de distúrbio esse paciente apresenta, nós
precisamos determinar o que está causando essa desordem! Pra quem lembra, é a
6ª parada do nosso “caminho”! Quem não lembra ou não viu, é só clicar aqui e conferir o
“Screening inicial frente um paciente com distúrbio ácido-base”.
Vamos retomar
ao caso anterior?!
Sr. JPM é um homem de 42 anos que apresenta queixa de fraqueza,
anorexia, dor abdominal e vomito. Laboratório mostrou bicarbonato de 6 mEq/L
Como podemos
perceber pelo caso acima, existe alguém muito afobado pedindo gasometria
arterial sem nem mesmo fazer exame físico! Enfim... por ser um paciente que
apresenta bicarbonato de 6 mEq/L, é preciso seguir o “caminho ácido-base” (não
lembra? clique aqui!) para descobrirmos qual é o distúrbio
primário e se há um distúrbio secundário associado e ainda, determinar
hipóteses diagnósticas.
- Seguindo o
caminho...
(1) Primeiro
devemos conhecer melhor a história do paciente e buscar algum sinal no exame
físico que nos ajude para termos uma hipótese
clínica geral do caso.
Sr. JPM relata ter diabetes melito (DM)
desde os 10 anos e que a um tempo teve que fazer uma cirurgia para retinopatia.
Há dois dias está com náusea e vomito, mas continua usando sua insulina. Nega
ter tido febre ou qualquer doença recente. Refere usar insulina NPH de manhã e
de noite além de, insulina regular após as refeições. Nega estar em uso de
qualquer outro remédio.
Ao exame físico, está taquipneico (24 irpm),
taquicárdico (150 bpm) e com PA de 90/50 mmHg. Avaliação dos sistemas sem
alterações.
Pela história
de DM insulino dependente e pelo valor do bicarbonato (6 mEq/L), a principal
hipótese diagnóstica é a Cetoacidose diabética. Hipóteses alterativas são:
Acidose tubular renal (ATR) tipo IV (AGp normal), comum em diabéticos de longa
data; outra possibilidade é insuficiência renal com acidose urêmica, pois
também é comum em DM de longa data; Por último, apesar de não ser muito
provável, é a acidose láctica por sepse. Esse é o tipo de diagnóstico que
sempre devemos ter em mente, mesmo não sendo provável!!
(2) e (3) Para
checar o pH sanguíneo e determinar qual é o distúrbio primário, nós
precisamos pedir a gasometria arterial!
Gasometria arterial: pH: 7,15 / PaO² 80
mmHg / PaCO² 20 mmHg / HCO³- 6 mEq/L
Pelo pH
determinamos que o paciente está com acidemia. Ao avaliar o bicarbonato, nós
vemos que está abaixo do valor de referência (22 - 26 mEq/L) e isso “puxa” o pH
para baixo ao mesmo tempo em que a PaCO² baixa aumenta o pH. Como
podemos determinar então qual é o distúrbio?! Basta olhar o valor do pH!! Como,
no caso, ele está abaixo do valor normal (7,35 a 7,45) nós dizemos que o
distúrbio primário é uma acidose metabólica!
(4) Mas e o
que fazemos com a PaCO²? Será que ela está baixa para compensar o nosso organismo ou existe
um distúrbio secundário? Para
determinar isso precisamos saber o quanto é esperado durante a compensação em
acidose metabólica. Para cada 1 mEq/L de HCO³- que
diminui, deve diminuir 1,2 mmHg de PaCO². Levando em consideração
que o valor normal do HCO³- é de 24 mEq/L, houve uma
queda de 18 mEq/L e portanto a PaCO² deve diminuir 21,6 mmHg. O
valor normal da PaCO² é de 40 mmHg com isso sabemos que
houve uma queda de 18 mmHg, ou seja, está dentro do esperado! Sr. JPM possui
uma acidose metabólica com compensação respiratória. Com esse resultado nós
mantemos todas as nossas hipóteses diagnósticas!
(5) Sabendo
que se trata de uma acidose metabólica, nós devemos saber se é a com AGp
aumentado ou normal e assim, selecionar melhor nossas hipóteses diagnósticas.
Para isso basta calcular o AGp.
Como vocês
viram pela fórmula, é preciso saber o valor do Cl− e do Na+ sérico.
Paciente apresentava 138 de sódio e 100 de cloro. Portanto seu AGp é de 32
(valor normal de 12).
Nesse caso,
nós já podemos rever nossas hipóteses, certo? A principal hipótese é mantida,
porem a NTA tipo IV por ser do tipo AGp normal pode ser excluída. Insuficiência
renal com acidose urêmica e acidose por sepse são mantidas.
(6) Agora é a
parte que depende mais do conhecimento sobre as doenças! Determinar o diagnóstico! Para isso vou resumir nossa principal
hipótese diagnóstica.
è Cetoacidose
diabética
Comum em
pacientes com DM tipo 1 e tem relação com eventos estressantes ou doença aguda.
Pode ocorrer também em pacientes com DM tipo 2. Com isso percebemos que é uma
doença devido à queda de insulina ou aumento de hormônios hiperglicêmicos
(adrenalina, glucagon, cortisol e do crescimento). Esse mecanismo diminui a
quantidade de glicose dentro das células, principalmente no fígado, levando a
produção de ácido BETA hidroxibutírico (cetona). Seu aumento, assim como a
glicose, no sangue gera uma diurese osmolar e profunda desidratação. Nosso
organismo quando perde muito volume secreta mais aldosterona e com isso ocorre
perda intensa de potássio levando a hipocalemia. Em alguns casos pode haver
hipercalemia... (alguém sabe por que?!)
Para
determinarmos diagnóstico, a Associação Americana de Diabetes determinou que se
um paciente apresentar glicemia > 250 mg/dL, cetonas séricas positivas (BETA
hidroxibutirato, acetoacetato e acetona), pH menor que 7,3 e HCO3− menor
que 18 mEq/L esse paciente tem cetoacidose diabética. Mas o paciente
ainda pode apresentar vários sinais e sintomas e como nós vimos antes essa
condição pode ser desencadeada por outra doença aguda. Sendo assim, como
determinar se o sintoma do paciente é pela cetoacidose ou por uma causa extra?
Infelizmente não existe fórmula mágica. Devemos estar atentos a cefaleia ou a
uma dor abdominal e desconfiar se há um AVE ou uma apendicite, por exemplo...
E ai,
galera?! Podemos fechar o diagnóstico?? Vamos excluir primeiro nossas outras
opções.
è Insuficiência
renal com acidose urêmica
É uma condição que faz o paciente apresentar queda no nível do HCO3− associado
com aumento da creatinina e ureia sérica. Geralmente paciente apresenta
sintomas constitucionais como náusea, vômito, fadiga, anorexia e prurido.
Fisiopatologia é dita por duas fases. (1) diminuição da produção de
bicarbonato pelo rim e, mais tardiamente, (2) diminuição da excreção de
escórias metabólicas. Portanto, se o diagnóstico for feito na fase 1 vai ser
uma acidose metabólica com AGp normal. Mas se for uma doença avançada, será uma
acidose metabólica com AGp aumentado. Outro achado é a hipercalcemia, pois a
acidose gera desmineralização óssea e com a diminuição da taxa de filtração
glomerular diminuída há acúmulo desse íon.
Foram dosadas as
cetonas séricas do Sr. JPM e foi visto que todas estavam aumentadas. O lactato
sérico estava normal. TFG estava dentro do esperado segundo a fórmula MDRD
eGFR.
A TFG normal exclui a hipótese de IR com acidose urêmica e o lactato
normal exclui a acidose por sepse. Pelo fato das cetonas
séricas estarem aumentadas e associarmos com a clínica, podemos confirmar o
diagnóstico de cetoacidose diabética, porém, como vimos antes, não podemos
terminar o caso assim...
Como o Sr. JPM
afirmava usar adequadamente sua medicação foram solicitados exames para
investigar algum fator precipitante. Nega qualquer sintoma além dos citados
anteriormente. Radiografia de tórax, EAS e lípase sérica sem alterações. No ECG
foi visto inversão da onda T de V1 a V4 indicando isquemia de parede anterior.
Troponina sérica estava elevada, compatível com IAM. Sr. JPM foi encaminhado
para serviço especializado.
Como vimos antes, cetoacidose diabética é uma condição associada à
baixa sensibilidade à insulina. Portanto se houver algum fator estressante (IAM,
AVE ou qualquer processo inflamatório) que libere hormônios hiperglicemiantes
(cortisol, adrenalina, glucagon...) pode gerar um desequilíbrio no controle
glicêmico levando o paciente ao quadro acima.
REFERÊNCIA: Symptom to
Diagnosis an Evidence-Based Guide 2nd Edition 2010
Como os casos
de distúrbio acidobásico são extensos, vou criar um post para cada tipo de
situação! A ideia não é jogar tudo e por isso, um caso de cada vez faz com que
reflitamos de forma melhor sobre cada ponto investigado.
Qualquer dúvida ou ponto para acrescentar é só
deixar abaixo! Se gostou e quiser receber nossos posts no conforto do seu
e-mail, é só seguir o Mednossadecadadia!
Até a próxima, galera!
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