terça-feira, 14 de julho de 2015

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Como determinar a causa de um distúrbio ácido base?

Após nós estudarmos o screening inicial frente a um paciente com distúrbio ácido base, ou seja, descobrirmos qual tipo de distúrbio esse paciente apresenta, nós precisamos determinar o que está causando essa desordem! Pra quem lembra, é a 6ª parada do nosso “caminho”! Quem não lembra ou não viu, é só clicar aqui e conferir o “Screening inicial frente um paciente com distúrbio ácido-base”.
Vamos retomar ao caso anterior?!
è Caso 1


Sr. JPM é um homem de 42 anos que apresenta queixa de fraqueza, anorexia, dor abdominal e vomito. Laboratório mostrou bicarbonato de 6 mEq/L

Como podemos perceber pelo caso acima, existe alguém muito afobado pedindo gasometria arterial sem nem mesmo fazer exame físico! Enfim... por ser um paciente que apresenta bicarbonato de 6 mEq/L, é preciso seguir o “caminho ácido-base” (não lembra?  clique aqui!) para descobrirmos qual é o distúrbio primário e se há um distúrbio secundário associado e ainda, determinar hipóteses diagnósticas.
- Seguindo o caminho...
(1) Primeiro devemos conhecer melhor a história do paciente e buscar algum sinal no exame físico que nos ajude para termos uma hipótese clínica geral do caso.

Sr. JPM relata ter diabetes melito (DM) desde os 10 anos e que a um tempo teve que fazer uma cirurgia para retinopatia. Há dois dias está com náusea e vomito, mas continua usando sua insulina. Nega ter tido febre ou qualquer doença recente. Refere usar insulina NPH de manhã e de noite além de, insulina regular após as refeições. Nega estar em uso de qualquer outro remédio.
Ao exame físico, está taquipneico (24 irpm), taquicárdico (150 bpm) e com PA de 90/50 mmHg. Avaliação dos sistemas sem alterações.

Pela história de DM insulino dependente e pelo valor do bicarbonato (6 mEq/L), a principal hipótese diagnóstica é a Cetoacidose diabética. Hipóteses alterativas são: Acidose tubular renal (ATR) tipo IV (AGp normal), comum em diabéticos de longa data; outra possibilidade é insuficiência renal com acidose urêmica, pois também é comum em DM de longa data; Por último, apesar de não ser muito provável, é a acidose láctica por sepse. Esse é o tipo de diagnóstico que sempre devemos ter em mente, mesmo não sendo provável!!
(2) e (3) Para checar o pH sanguíneo e determinar qual é o distúrbio primário, nós precisamos pedir a gasometria arterial!

Gasometria arterial: pH: 7,15 / PaO² 80 mmHg / PaCO² 20 mmHg / HCO³- 6 mEq/L

Pelo pH determinamos que o paciente está com acidemia. Ao avaliar o bicarbonato, nós vemos que está abaixo do valor de referência (22 - 26 mEq/L) e isso “puxa” o pH para baixo ao mesmo tempo em que a PaCO² baixa aumenta o pH. Como podemos determinar então qual é o distúrbio?! Basta olhar o valor do pH!! Como, no caso, ele está abaixo do valor normal (7,35 a 7,45) nós dizemos que o distúrbio primário é uma acidose metabólica!
(4) Mas e o que fazemos com a PaCO²? Será que ela está baixa para compensar o nosso organismo ou existe um distúrbio secundário? Para determinar isso precisamos saber o quanto é esperado durante a compensação em acidose metabólica. Para cada 1 mEq/L de HCO³- que diminui, deve diminuir 1,2 mmHg de PaCO². Levando em consideração que o valor normal do HCO³- é de 24 mEq/L, houve uma queda de 18 mEq/L e portanto a PaCO² deve diminuir 21,6 mmHg. O valor normal da PaCO² é de 40 mmHg com isso sabemos que houve uma queda de 18 mmHg, ou seja, está dentro do esperado! Sr. JPM possui uma acidose metabólica com compensação respiratória. Com esse resultado nós mantemos todas as nossas hipóteses diagnósticas!
(5) Sabendo que se trata de uma acidose metabólica, nós devemos saber se é a com AGp aumentado ou normal e assim, selecionar melhor nossas hipóteses diagnósticas. Para isso basta calcular o AGp.



Como vocês viram pela fórmula, é preciso saber o valor do Cle do Na+ sérico. Paciente apresentava 138 de sódio e 100 de cloro. Portanto seu AGp é de 32 (valor normal de 12).
Nesse caso, nós já podemos rever nossas hipóteses, certo? A principal hipótese é mantida, porem a NTA tipo IV por ser do tipo AGp normal pode ser excluída. Insuficiência renal com acidose urêmica e acidose por sepse são mantidas.
(6) Agora é a parte que depende mais do conhecimento sobre as doenças! Determinar o diagnóstico! Para isso vou resumir nossa principal hipótese diagnóstica.
è Cetoacidose diabética
Comum em pacientes com DM tipo 1 e tem relação com eventos estressantes ou doença aguda. Pode ocorrer também em pacientes com DM tipo 2. Com isso percebemos que é uma doença devido à queda de insulina ou aumento de hormônios hiperglicêmicos (adrenalina, glucagon, cortisol e do crescimento). Esse mecanismo diminui a quantidade de glicose dentro das células, principalmente no fígado, levando a produção de ácido BETA hidroxibutírico (cetona). Seu aumento, assim como a glicose, no sangue gera uma diurese osmolar e profunda desidratação. Nosso organismo quando perde muito volume secreta mais aldosterona e com isso ocorre perda intensa de potássio levando a hipocalemia. Em alguns casos pode haver hipercalemia... (alguém sabe por que?!)
Para determinarmos diagnóstico, a Associação Americana de Diabetes determinou que se um paciente apresentar glicemia > 250 mg/dL, cetonas séricas positivas (BETA hidroxibutirato, acetoacetato e acetona), pH menor que 7,3 e HCO3 menor que 18 mEq/L esse paciente tem cetoacidose diabética. Mas o paciente ainda pode apresentar vários sinais e sintomas e como nós vimos antes essa condição pode ser desencadeada por outra doença aguda. Sendo assim, como determinar se o sintoma do paciente é pela cetoacidose ou por uma causa extra? Infelizmente não existe fórmula mágica. Devemos estar atentos a cefaleia ou a uma dor abdominal e desconfiar se há um AVE ou uma apendicite, por exemplo...
E ai, galera?! Podemos fechar o diagnóstico?? Vamos excluir primeiro nossas outras opções.
è Insuficiência renal com acidose urêmica
É uma condição que faz o paciente apresentar queda no nível do HCO3associado com aumento da creatinina e ureia sérica. Geralmente paciente apresenta sintomas constitucionais como náusea, vômito, fadiga, anorexia e prurido.
Fisiopatologia é dita por duas fases. (1) diminuição da produção de bicarbonato pelo rim e, mais tardiamente, (2) diminuição da excreção de escórias metabólicas. Portanto, se o diagnóstico for feito na fase 1 vai ser uma acidose metabólica com AGp normal. Mas se for uma doença avançada, será uma acidose metabólica com AGp aumentado. Outro achado é a hipercalcemia, pois a acidose gera desmineralização óssea e com a diminuição da taxa de filtração glomerular diminuída há acúmulo desse íon.

Foram dosadas as cetonas séricas do Sr. JPM e foi visto que todas estavam aumentadas. O lactato sérico estava normal. TFG estava dentro do esperado segundo a fórmula MDRD eGFR.

A TFG normal exclui a hipótese de IR com acidose urêmica e o lactato normal exclui a acidose por sepse. Pelo fato das cetonas séricas estarem aumentadas e associarmos com a clínica, podemos confirmar o diagnóstico de cetoacidose diabética, porém, como vimos antes, não podemos terminar o caso assim...
Como o Sr. JPM afirmava usar adequadamente sua medicação foram solicitados exames para investigar algum fator precipitante. Nega qualquer sintoma além dos citados anteriormente. Radiografia de tórax, EAS e lípase sérica sem alterações. No ECG foi visto inversão da onda T de V1 a V4 indicando isquemia de parede anterior. Troponina sérica estava elevada, compatível com IAM. Sr. JPM foi encaminhado para serviço especializado.
Como vimos antes, cetoacidose diabética é uma condição associada à baixa sensibilidade à insulina. Portanto se houver algum fator estressante (IAM, AVE ou qualquer processo inflamatório) que libere hormônios hiperglicemiantes (cortisol, adrenalina, glucagon...) pode gerar um desequilíbrio no controle glicêmico levando o paciente ao quadro acima.

REFERÊNCIA: Symptom to Diagnosis an Evidence-Based Guide 2nd Edition 2010

Como os casos de distúrbio acidobásico são extensos, vou criar um post para cada tipo de situação! A ideia não é jogar tudo e por isso, um caso de cada vez faz com que reflitamos de forma melhor sobre cada ponto investigado.
Qualquer dúvida ou ponto para acrescentar é só deixar abaixo! Se gostou e quiser receber nossos posts no conforto do seu e-mail, é só seguir o Mednossadecadadia!


Até a próxima, galera!

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