Depois do post
“Como determinar a causa de um distúrbio ácido base?”, vieram falar comigo
sobre a necessidade do médico recém formado saber o manejo frente a um paciente
com queixa de sibilo e estridor. No momento eu pensei... “meu conhecimento
sobre sibilo se resumia em asma”. Estridor?! Psshhh... Maaas como dizia o
grande sábio: “a necessidade faz o homem” e por isso resolvi estudar sobre o
tema e colocar o que aprendi aqui!
Boa diversão!
Antes de tudo,
devemos saber o que significa cada coisa! Sibilo e estridor são sinais
decorrentes por obstrução de algum segmento da via aérea. O sibilo é
caracterizado por ser um som produzido, em qualquer altura da via aérea, durante
a EXpiração enquanto o estridor ocorre durante a INspiração e é exclusiva da
via aérea superior.
è Caso
1
HSN é um senhor de 32 anos, em bom estado
geral, com queixa de sibilos ocasionais
Vago?
Pois é. Fazer um diagnóstico diferencial para um paciente com sibilo, se não
apresentar uma anamnese e exame físico adequado, será impossível! Por isso nós
devemos sempre ter em mente suas principais causas para poder desenvolver da
melhor forma possível a consulta. Abaixo as principais causas, relacionadas com
suas respectivas estruturas anatômicas (Veja pensando no caso clínico!).
Voltando ao
caso...
Sr. HSN está com sintomas brandos há dois
anos, mas nunca achou necessário procurar um médico. No último mês relata
“aperto no peito” e “respiração curta”, associados com o sibilo, enquanto faz
atividade física ou durante a noite. Também relata ficar alguns dias sem
sintomas. Nega tabagismo e qualquer doença vigente.
Refere ter tido asma quando criança sendo
tratada com Teofilina. Estava sem sintomas quando, há dois anos, se mudou.
Analisando
o caso: Sr HSN é um paciente em bom estado geral e sem comorbidades que
apresenta uma dispneia recorrente associada com sensação de aperto no peito e
sibilo. Das causas citadas na tabela anterior, podemos pensar como principal
diagnóstico diferencial a asma. Outra possibilidade seria alguma disfunção de
cordas vocais (movimentos paradoxais ou paralisia de cordas vocais). Sempre em
pacientes que apresentem aperto no peito, mesmo que de forma inespecífica,
devemos ter em mente alterações cardíacas.
Sr HSN ainda relata
que sente esse desconforto quando está gripado e quando fica próximo de
cachorros e gatos. Refere que quando há sibilo, o quadro é mais angustiante.
No exame físico: bom
estado geral, sinais vitais e exame dos sistemas normais. Pico do fluxo
expiratório de 550 l/min (87% do esperado)
E
agora, galera, o que acham do caso? Mantemos as hipóteses? Antes de responder,
vamos relembrar sobre asma.
·
Asma:
É
definido pelo NIH/NHLBI como “uma inflamação crônica da via aérea que em
indivíduos suscetíveis, pode causar sibilo associado a desconforto
respiratório. Esses episódios geram uma limitação, variável, do fluxo de ar que
é reversível com tratamento ou espontaneamente.”.
Todos
nós sabemos que o paciente com asma apresenta alguma história de alergia
associada com sibilos, aperto no peito e falta de ar. Mas isso não é tudo! Para
termos uma anamnese mais específica, devemos questionar se há um período do dia
com piora dos sintomas ou se os sintomas ocorrem no repouso. Por exemplo:
paciente apenas com dispneia em repouso tem especificidade de 94% enquanto que,
se a dispneia for noturna, preferencialmente, a especificidade pula para 98,6%!
Se o paciente apresentar Sibilos e
dispneia ao repouso sua especificidade é de 99%!
Por ser uma
condição recorrente e intermitente, o paciente pode apresentar períodos sem
sintomas ou com sintomas, podendo ser de pequena ou grande intensidade.
Pacientes que apresentam sintomas persistentes possuem uma doença mais severa e
que necessita de um tratamento mais agressivo. Sendo assim, foi criada uma
classificação para nortear qual a melhor conduta terapêutica para cada paciente
e também para facilitar a identificação dos pacientes com maior risco de
apresentar exacerbação.
Apesar dessa
classificação existem formas atípicas de asma e por isso qualquer paciente com
dispneia, sibilo, tosse e sensação de aperto no peito deve ser investigado
quanto à história familiar ou qualquer informação que faça pensar em asma.
Exame
complementar realmente eficaz no diagnóstico de asma é aquele que vá avaliar a
função pulmonar. Os parâmetros mensurados são: VEF1 (volume de ar exalado no
primeiro segundo); relação VEF1 com capacidade vital forçada; aumento de 200 mL
do VEF1 após uso de broncodilatador.
Tratamento da
asma engloba o controle do ambiente (fatores de exacerbação), farmacoterapia
para evitar sintomas que interfiram nas atividades diárias e educação do
paciente quanto ao correto uso dos fármacos e de buscar melhores hábitos de
vida. Em relação aos fármacos, podemos usar corticoides inalatórios, beta 2
agonista de curta ou longa, antileucotrienos, teofilina e corticoide por via
oral. Abaixo segue recomendação de como usá-los.
OBS: É o controle do sintoma que
vai determinar a necessidade de avançar na etapa de tratamento!!
Bom galera... será que podemos
fechar o diagnóstico?!
Sr. HSN apresenta uma história consistente de asma, mesmo tendo um
fluxo expirado normal. Por isso, será feito teste terapêutico com beta agonista
de curta duração caso ele sinta os sintomas ou 30 minutos antes de atividades
físicas. Foi marcado retorno em 6 semanas.
No retorno o Sr. HSN relata ter tido uma piora do quadro após uma
infecção de via aérea superior tendo que, desde então, usar a medicação SOS 4
vezes por semana. Nega sintomas noturnos. Pela história inicial associado com
melhora clínica, o diagnóstico de asma foi definido. Foi prescrito um
corticoide inalatório para tentar diminuir a necessidade em usar beta agonista
de curta ação.
è Caso 2
Sra. P é uma mulher de 62 anos que chegou
na emergência com sibilo, dispneia e voz esganiçada (“squeaky”). Refere estar a
3 dias dessa forma e que os sintomas são contínuos, tanto no repouso quanto em
atividade física. Nega tosse, febre, dor no peito ou rinite.
Relata que há 6 anos esses sintomas ocorrem
de forma intermitente, durando de horas a dias. Fez tratamento para asma com
beta agonista de curta e longa duração associado com corticoide sistêmico por 1
ano, mas não houve melhora dos sintomas. Abandonou, por conta própria, esse
tratamento e buscou no Yoga e meditação a “cura” para esse mal.
HPP: hipertensão e depressão. Em uso apenas
de Enalapri. Nega qualquer alergia e não fuma.
No exame físico a
paciente está febril (37,7°), 110 bpm e 33 irpm. Ausculta pulmonar com sibilos
e intervalo respiratório diminuído. Pico de fluxo expiratório de 300 L/min (70%
do esperado).
Ao
contrário do caso anterior, temos bastante informação logo no início! Será
então que conseguiríamos fechar o diagnóstico assim? Como vimos antes, se
houver uma queixa de dispneia com sibilo devemos sempre suspeitar de asma,
porém a paciente já havia usado esquema (etapa 5!) anti-asma e os sintomas não
melhoravam.
Quem
é malandro já percebeu que os diagnósticos diferenciais se repetem né? “Se não
é asma, deve ser um dos outros...” Começaram pensando bem! Devemos avaliar
alteração de cordas vocais e também pensar em doença do refluxo
gastroesofágico, pois ambas podem causar sibilo, dispneia e voz esganiçada. Um
diagnóstico que deve ser sempre lembrado é o angioedema pela sua alta
letalidade. Bom, vamos às possibilidades?
·
Movimentos paradoxais das cordas vocais (MPCV)
ou Estridor de Munchausen.
É
uma condição que gera episódios de desconforto respiratório acompanhado de
sibilo e/ou estridor, além de alteração de voz. Tipicamente possui resposta
pobre à terapia anti-asma. Durante período assintomático a função pulmonar
encontra-se normal.
Asma
e MPCV são doenças clinicamente muito parecidas e por isso sempre andam de mãos
dadas durante a investigação. Pelo fato da asma ser mais prevalente, todo o
paciente com suspeita de MPCV deve ter o diagnóstico de asma excluído. Mas e
aí, quando devemos pensar em MPCV?
·
Quando paciente não tiver história de
exacerbação
·
Sem resposta à terapia para asma
·
Melhora dos sintomas ao dormir
·
Ausculta do pescoço com chiado
·
Voz marcante durante sintomatologia
O diagnóstico definitivo é feito pela laringoscopia ao mostrar as
cordas vocais em adução formando uma fenda em formato de diamante.
Como a fisiopatologia da doença é inserta, seu tratamento engloba ações
inespecíficas como meditação ou até intervenção psiquiátrica se, o paciente
tiver algum transtorno de humor associado.
Dentre as suspeitas,
MPCV é nossa hipótese líder. Mas ainda assim, será feito nebulização com
Albuterol enquanto é solicitada a laringoscopia diagnóstica.
Pelo exame foram
constatados os achados de MPCV. A paciente ficou internada por 2 dias para
avaliar seus sintomas. Ao receber alta foi encaminhada a clínica geral para
controle das comorbidades e foi enfatizada a importância do yoga e meditação.
Apesar do caso 2 ter terminado, vamos avaliar nossa outra suspeita
diagnóstica e entender o porquê dela não ter sido valorizada.
·
Angioedema
Vou fazer de
uma forma diferente... A seguir veremos os “pontos básicos” da doença e depois
um esquema mostrando do diagnóstico clínico até a conduta.
O angioedema ocorre
de forma aguda por edema de tecido conjuntivo, mais comum em face, gengiva,
língua ou laringe. Apesar de existirem dois mecanismos de doença (por ação da
histamina ou por ação da bradicinina), sua clínica é parecida. Com isso,
devemos estar atentos aos fatores que a diferenciam como aos sinais alérgicos
(pela histamina) e uma história de uso de fármacos que aumentem os níveis de
bradicinina.
O diagnóstico
é clínico, ou seja, pela anamnese (história de alergia e de uso de fármacos) e
pelo exame físico (sinais de edema e, dependendo da fisiopatologia, sinais e
sintomas de alergia). Em raros casos podemos ter deficiência do inibidor do
fator C1 (sistema complemento) que também pode favorecer ao angioedema. Nesse
caso devemos dosá-lo.
è Caso
3
Sr. FMG de 50 anos chegou à emergência com
febre (38°C), sibilo, desconforto no pescoço, perda de voz e dor para se
alimentar. Refere que estes sintomas começaram há dois dias e que nunca havia
sentido isso antes.
Os
pontos mais importantes do caso são: quadro agudo levando a diminuição do
diâmetro das vias aéreas associado com febre. Como vimos não é uma condição
recorrente (fala menos a favor de asma), e pela evolução combinada com a febre,
podemos supor que seja uma causa infecciosa. A partir disso, podemos supor em
faringite ou até epiglotite e abscesso retrofaríngeo.
No exame físico paciente estava em regular
estado geral e se mantendo em posição de tripé. Pulso de 110 bpm, PA 128/88
mmHg e 22 irpm. Exame da orofaringe mostrando hiperemia e edema tonsilar, sem
exsudato. Difusa adenomegalia cervical e significativa sensibilidade em
pescoço. Presença de estridor transmitido pelo pescoço. Exames pulmonar, cardíaco
e de abdome normais.
E
aí, galera? Dentre a faringite, epiglotite e abscesso retrofaríngeo, qual é o
mais provável e quais ficam como segunda hipótese?
·
Epiglotite
Geralmente é associado com febre e dor de garganta. A gravidade da
doença determina se haverá sibilo e/ou estridor. Sua incidência está bem
diminuída pela introdução da vacina do Haemophilus
influenzae B, portanto os vírus respiratórios passaram a serem os
principais agentes etiológicos.
Por ser uma condição que pode, rapidamente, levar a obstrução da via
aérea seu diagnóstico deve ser sempre lembrado em pacientes com estridor,
sibilo, sialorreia, dor de garganta e alteração na voz. Inicialmente pode ser tão
inespecífica ao ponto de ser confundida com faringite.
O diagnóstico padrão ouro é a visualização do edema em epiglote ou em
estruturas supraglóticas. Deve ser feito pela laringoscopia e o examinador deve
estar preparado caso haja necessidade de manter a via aérea pérvia do paciente,
pois a presença de voz abafada, sialorreia e estridor, são sinais de obstrução
iminente da via aérea.
O tratamento consiste em manter a via aérea pérvia e usar antibiótico
que cubra o Haemophilus influenzae B,
geralmente uma cefalosporina de segunda ou terceira geração.
Para quem
estava atento deve ter percebido, que o Sr. FMG apresenta clínica iminente de
obstrução de via aérea (alteração em voz, posição em tripé e estridor) e,
portanto foi solicitado o laringoscópio para explorar orofaringe e se
necessário colocar um tubo endotraqueal.
Mesmo assim,
ainda não podemos excluir a hipótese de abscesso retrofaríngeo!
·
Abscesso retrofaríngeo
Comum tanto em
crianças quanto em adultos. Apresenta uma clínica muito parecida com epiglotite.
O que as diferencia é que no abscesso há uma história de infecção recente de
via aérea superior ou trauma por ingestão de materiais (ex. : ossos) ou
procedimentos cirúrgicos.
O diagnóstico
é feito pela radiografia do pescoço quando evidencia espessamento dos tecidos
retrofaríngeos. No entanto se o exame for negativo mas a clínica for muito
sugestiva, TC deve ser solicitada.
Tratamento
engloba abordagem cirúrgica para drenar o abscesso e o uso de antibiótico. Pelo
fato da maioria desses casos serem por mais de um agente etiológico, é feito
Clindamicina, pois seu espectro de ação cobre tanto gram positivos quanto
anaeróbios.
Foi feita a laringoscopia que mostrou edema
em epiglote. Por precaução foi colocado um tubo endotraqueal para manter sua
via aérea pérvia e foi admitido na UTI. Para o tratamento foi prescrito
cefalosporina de segunda geração. Foi realizada cultura de sangue e da
epiglote, mas ambos deram negativo.
Como vimos
nesse caso, o ponto mais importante não era determinar qual a doença que o
paciente tinha. É determinar a gravidade em que ele se encontrava! Se a via
aérea não fosse explorada precocemente, provavelmente o paciente iria evoluir
com obstrução. Nesse caso seria necessário uma cricotireoidostomia para poder
ventilar o paciente!
REFERÊNCIA: Symptom to Diagnosis an Evidence-Based Guide 2nd Edition 2010
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